domingo, 10 de outubro de 2010

Entrevista Sir Alex Fergunson

Sex, 25.12.2009
 
Numa escala de 1 a 10, como se classifica politicamente?
Bom, acho que tenho que dizer que sou um 10 no futebol. O futebol foi a coisa mais importante da minha vida durante muitos anos. Este trabalho está na nossa mente o tempo todo, há muita coisa em que nos temos de concentrar. No que diz respeito à politica, não me interesso, sigo-a, leio muito sobre história politica e tenho fortes opiniões sobre ela. Por isso considero ser um sete e meio politicamente.

De onde surgiram essas visões políticas?
Do meu passado e do que vivi. O meu pai era de esquerda, assim como a maioria das pessoas do meio de onde eu vim. Cresci numa zona da classe de trabalhadores em Glasgow, e sempre fui muito consciente acerca do sentido de comunidade, pessoas e famílias a ajudarem-se mutuamente.

Cresci a acreditar que o Partido Trabalhista era o partido do trabalhador, e ainda hoje acredito nisso. Depois, quando trabalhei nas docas, em Clydeside, percebi como era importante as pessoas terem fortes representantes, e envolvi-me no sindicato. Liderei uma greve não-oficial por melhores salários.

Houve ainda outra coisa que me "politicalizou" ainda mais enquanto adulto, e aconteceu quando a minha mãe estava a morrer, em Novembro de 1986, apenas poucos meses depois de eu assumir o comando do Manchester United. Ela estava no Southern General [NDR: hospital em Glasgow] e era impressionante observar os tubos rotos, médicos e enfermeiros com excesso de trabalho e a pouca dignidade que tudo isso tinha.

Em toda a minha vida vi os Trabalhistas a trabalhar para melhorar o serviço de saúde para o cidadão comum, e os Conservadores a importarem-se apenas com as pessoas no topo. O Serviço Nacional de Saúde é realmente melhor depois de 12 anos de Partido Trabalhista.

Teve um longo caminho desde então, e o seu sucesso coincidiu com a explosão da Televisão e a introdução de muita riqueza no futebol, por isso é muito mais rico que as pessoas com que cresceu. É possível ser rico e ainda ter esses ideais políticos?
Claro que sim. Ainda mantenho contacto com amigos desse tempo, e sempre manterei. É verdade que já ganhei muito dinheiro, mas trabalhei muito, paguei os meus impostos e devolvi muito em diferentes maneiras. Na minha opinião, parte do sucesso de Tony Blair deve-se ao facto de ter mostrado que o sucesso e os trabalhistas podem ser conjugados.

O que podem política e o futebol aprender um com o outro?
Acredito que podemos sempre aprender algo sobre o nosso mundo através dos outros. Leio muito sobre história, e na maioria dos livros não existe uma única linha sobre o desporto, mas há sempre visões com as quais podemos aprender. Sou treinador de uma equipa de futebol, mas posso aprender acerca da arte de fortalecer um grupo de trabalho e de treinar uma equipa de muitos outros sítios. No final, tudo está relacionado com a nossa capacidade de gerir pessoas e relações.

Mas tudo é muito diferente desde os tempos em que era jogador, ou quando começou no United. Hoje tem jogadores com vinte anos que são já multimilionários e observados de uma maneira que no seu tempo não acontecia, pelo menos não da mesma forma. Isso certamente mudou a forma de gerir a equipa?
A verdade é que estive aqui ao longo de todas essas mudanças, e consegui sempre adaptar-me e ajudar os jogadores a adaptarem-se. Eu estava cá antes do aparecimento dos empresários, antes da liberdade de contratos, antes da entrada do muito dinheiro vindo das TV's.

Parte do meu trabalho é fazer com que os rapazes mantenham os seus pés bem assentes no chão. Eu digo-lhes sempre que a ética no trabalho que tiveram desde o início foi o que os fez chegar até aqui, e que nunca a devem perder. Digo-lhes: 'quando vão para casa para junto da vossa mãe, vocês façam tudo para ela ver a mesma pessoa que enviou para mim no início, porque se levar todo o dinheiro e fama noutra direcção, a vossa mãe vai ficar muito desiludida'.

E a fama e o dinheiro mudam-nos para pior?
A alguns jogadores pode acontecer, mas olhando para PAUL SCHOLES, RYAN GIGGS, Gary Neville, são modelos de profissionalismo e que lidaram bem com a fama. Por isso um jovem jogador também olha para eles, pois estamos a falar de figuras importantes do futebol. E o trabalho de um treinador é tirar o melhor partido deles, para a equipa como um todo, e sempre a olhar para o futuro. Isso também devia ser importante na política.

Nós estávamos presentes quando anunciou a contratação de Eric Cantona e Andy Cole [em 1992 e 1995, respectivamente].
É verdade. Cantona, foi uma das melhores compras que alguma vez fiz, falando do impacto geral que teve como atleta e como homem. E é esse o meu ponto de vista de certa maneira. Ele era um grande jogador. Andy Cole era também ele um grande jogador.

Hoje em dia eu também tenho outros grandes jogadores, mas ninguém o pode fazer à sua maneira hoje em dia, é sempre pela equipa, todos têm que pensar no colectivo. Posso dar a liderança e o caminho a seguir, mas a equipa tem de estar sempre acima das individualidades. Isso significa manter-se unida, terem a capacidade de conviver uns com os outros na mesma sala, fazer sobressairo melhor uns dos outros.

E suponho que lidar com a comunicação social desde que esta passou a ser 24 horas por dia é outra área que afectou o desporto e a política?
Tornou-se um pesadelo. Acredito verdadeiramente que a cobertura em directo dos jogos é boa, e é fantástico ter todos os jogos da Premier League gravados em vídeo. Mas os jornais são um pesadelo. Têm imenso espaço para preencher, estão sob constante pressão da TV e da Internet, os jornalistas estão com contratos a prazo e preocupados com o seu futuro, por isso muito do que escrevem é lixo. Digo-lhe mesmo que a imprensa no nosso país é um sério problema, fazem estragos muito reais. E continuo a dizer que o governo tem de fazer alguma coisa em relação a isso, porque só está a piorar, não a melhorar. Admiro-me como é que alguém ainda vai para a política tendo em conta tudo o que lhes atiram.

Ainda não fala à BBC, devido a todas as historias que correram sobre Jason [Filho de Alex Ferguson], mas porque razão faz tantas conferências de imprensa?
Porque tenho de as fazer. É uma parte das obrigações antes de jogos grandes. É também uma boa forma de falar com os adeptos, de fazer passar a nossa mensagem para fora, fazer com que eles saibam o que vai acontecendo no clube. Não é uma parte deste trabalho que eu goste ou aprecie particularmente, mas tenho de o fazer. Acho que é correcto dizer que nós chegámos a visões muito semelhantes sobre o estado actual dos "media".

Não há então qualquer hipótese de um dia ir para comentador quando se retirar?
Nem há a minima hipótese disso vir a acontecer. Alguns dos comentadores que são ex-jogadores ou treinadores são dos piores. É uma desgraça a forma como eles se sentam ali a criticar as pessoas com quem costumavam jogar, apenas para fazer algum impacto. Eu seria incapaz de fazer algo desse género.

Por falar em retirar, já tem alguma data em mente?
Por enquanto não. Tenho 67 anos de idade agora, a minha saúde está boa, ainda tenho a vontade e a energia. Estou aqui há mais de 22 anos, mas ainda tenho um sentimento especial quando chego ao campo de treinos e vejo o relvado e os rapazes disponíveis para treinar. Ainda tenho aquela réstia de excitação quando o autocarro da equipa chega ao terreno do adversário num jogo grande. Ou quando vejo alguns dos miúdos subirem de escalão, como por exemplo os gémeos brasileiros [RAFAEL e FÁBIO da SILVA]...

Eles ainda nem eram nascidos quando começou no United.
Eu sei. Mas talvez ainda cá fiquem depois de eu sair.

O que quer dizer com isso? Mais um ano? Dois?
Mais ou menos por aí. Veremos...

Eu aposto no seu último jogo como sendo em Wembley em 2011, na final da Liga dos Campeões. Depois vai pegar na equipa do Reino Unido para os Jogos Olímpicos de 2012 [NDR: também em Londres].
Veremos. Eu apoio o princípio, a ideia de uma equipa olímpica, mas apenas se não houver perigo de uma perda de identidade individual dos países mais pequenos. Eles têm de estar protegidos no que diz respeito às participações em Campeonatos do Mundo.

Quem foi o melhor jogador que já viu jogar?
Pelé, ALFREDO di STÉFANO, Maradona, Johna Cruyff.

Por essa ordem?
Sim, acho que sim.

Quem foi o melhor treinador?
Jock Stein.

Qual a razão dos escoceses da classe trabalhadora e treinadores? Jock Stein, você, Matt Busby, Bill Shankly, vários dos melhores "managers" de sempre são escoceses.
Acho que temos os valores com que crescemos e dos sítios de onde viemos. Muito trabalho. Trabalho em equipa, fortes convicções. Jock era uma pessoa incrível. Fui treinador do Aberdeen quando ele me perguntou se eu queria ser assistente na Escócia também, por isso eu tinha 18 meses para o ver de perto e tentar aprender com ele. As duas coisas que melhor me recordo dele são a sua humildade e inteligência. Ele sabia tudo o que estava a acontecer no futebol escocês, tudo sem excepção. Ele conhecia jogadores que eu procurava antes mesmo de eu ter conhecimento deles.

Quem o vai substituir? Terá uma palavra a dizer nisso?
O United é um "clube de família" e sei que eles vão querer que eu fique envolvido como embaixador ou algo semelhante. Se me perguntarem a minha opinião eu dou, mas não serei um dirigente que ficará a orientar a equipa a partir dos bastidores.

E quem apoia para o suceder?
Eu ainda não me fui embora...

Uma reacção ao diatribo de Rafa Benitez em que o atacou a si?
Foi estranho. Não sei mesmo do que ele estava a falar. É óbvio que ele esforçou-se por atingir qualquer coisa ou atingir alguém, porque ele estava a ler o que tinha redigido. Mas ficaria admirado se o seu staff e os seus jogadores tivessem achado isso uma boa ideia.

Melhor treinador da Premiership para além do Sr?
Tenho de dizer ARSÈNE WENGER, David Moyes e Martin O'Neill.

Porque motivo teve apenas uma internacionalização pelo Escócia?
Não há necessidade de recordar isso às pessoas. Havia muito bons ponta-de-lanças escoceses, eu era apenas mais um...

A sua equipa de sonho do United, com todos os jogadores que treinou?
Existem tantos, mesmo tirando George Best, Denis Law, Bobby Charlton, Duncan Edwards...

Então faça duas equipas
Bom, guarda-redes são dois - Peter Schmeichel e Edwin Van der Saar. Ambos são guarda-redes de topo.

Laterais, Denis Irwin, Gary Neville, Patrice Evra, e estes rapazes da Silva [gémeos Rafael e Fábio] também são qualquer coisa de extraordinário.

Centrais tenho de dizer Jaap Stam, Steve Bruce, Rio Ferdinand e Gary Pallister. Ronny Johnsen também era de topo. O JONNY EVANS também vai lá estar a esse nível eventualmente.

Para o meio-campo... Eu pergunto-me quem serão os jogadores que não podem ficar de fora. Bryan Robson de certeza. Roy Keane. Paul Scholes. RYAN GIGGS - nunca o deixaria de fora se tivesse que jogar com a minha melhor equipa. CRISTIANO RONALDO e Eric Cantona são outros jogadores de "nunca deixar de fora". Temos DAVID BECKHAM a bater à porta do 11.

Nos avançados, por onde posso começar - van Nistelrooy, Andy Cole, Dwight Yorke, OLE GUNNAR SOLSKJAER, Teddy Sheringham. Quanto a WAYNE ROONEY, se o deixasse de fora teria de o fazer por e-mail ou nunca ia ouvir o final dessa conversa com tanta reclamação por parte dele. Meu deus, quando fazemos este exercício percebo o quanto fui abençoado com jogadores fantásticos.

Maiores conquistas?
A "Treble" [Premiership, Taça de Inglaterra e Liga dos Campeões] em 1999, e em particular a reviravolta em Barcelona, frente ao Bayern.

Maior erro?
Deixar sair o Jaap Stam. Sem dúvida.

Maior desilusão?
Não ter o Gazza [PAUL GASCOIGNE]. Era um jogador fantástico e iria fazer maravilhas aqui no United.

Pode ganhar cinco títulos este ano?
Não.

De certeza?
O problema das taças é que além de necessitarmos de ser os melhores, também é sempre preciso alguma sorte, e acho que seria pedir demasiado ter todos os jogos a correrem bem sempre para o nosso lado. A única coisa que garanto é que este plantel é o melhor que alguma vez tive.

Sinto-me confiante em todos os jogos que disputamos. Neste momento, qualquer ataque teme a nossa defesa e todas as defesas temem o nosso meio-campo e ataque. Isso dá-nos confiança, mas é pedir demasiado na minha opinião. Isso é outro coisa de política não é? Confiança e momento...

Qual foi o melhor golo marcado pela sua equipa?
O golo de Ryan Giggs, frente ao Arsenal em Villa Park [Meia Final da Taça da Inglaterra de 1999]. Foi do outro mundo.
Três qualidade mais importantes para uma boa liderança?
Controle. Controlar as mudanças. E observação.

O que quer dizer com observação?

Perceber tudo o que está à nossa volta, analisar o que é realmente importante. Ver os perigos e oportunidades que os outros não conseguem ver, conseguir ver esses perigos antes deles acontecerem. Isso vem da experiência e do conhecimento  que vamos adquirindo.

Atributo mais importante para uma mentalidade vencedora?
Para mim são dois. Vontade de ganhar. E atenção aos detalhes.

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